domingo, 11 de fevereiro de 2007

Retirado do Jornal Soberania do Povo

11-02-2007
Domingo abriu-se uma nova página no panorama musical filarmónico português. A Banda Marcial de Fermentelos apresentou-se na Casa da Música diante de um público de mais de 1000 pessoas, amantes da música filarmónica, mas também amantes da música erudita de qualidade.
O concerto começou cerca das 12horas, com a Abertura para uma Nova Rainha, de Jorge Salgueiro, obra de carácter heróico e festivo que ime-diatamente colocou em relevo a poderosa capacidade dinâmica da banda. Seguiu-se a obra “Annus Primus”, de Luís Cardoso, num estilo próximo de uma abertura sinfónica inspirada nos compositores Shostakovich e Lopes-Graça. A terceira obra, do mesmo autor, intitulada “In Principio” introduziu um clima mais meditativo e introspectivo, sublimemente interpretado na voz soprano solo por Joaquina Ly que, junto com a banda, transportou a audiência para o ambiente sereno requerido a um texto retirado do livro do Génesis. 150 CANTORES A obra seguinte, “Mar-I-Bel”, demarcou-se por ser a única obra de autor estrangeiro, enquadrada no tema da Casa da Música para 2007: Espanha. Marcadamente espanhola, esta obra de Ferrer Ferran não dispensa o característico solo de trompete executado irrepreen-sivelmente, quer ao nível técnico, quer ao nível interpretativo, pelo trompetista Fernando Dias. “Tubareg” é o título da obra de Carlos Marques Balaú, que explora de uma forma inovadora os timbres do agrupamento, usando sons vocais, batimentos de mãos e pés, e outros efeitos que surpreendem a cada momento o ouvinte. O compositor, oriundo da Banda Marcial de Fermentelos, esteve presente na sala e subiu ao palco para receber os aplausos do público e agradecer à banda. Aquando o início da última obra? “Canções Heróicas”, de Fernando Lopes-Graça, com arranjo de Luís Cardoso, um burburinho de espanto sentiu-se entre o público, ao levantar-se a enorme massa humana de mais de 150 cantores dos Grupo Coral da Casa do Pessoal do Porto de Aveiro, Orfeão de Águeda, Orfeão Paraíso Social de Aguada de Baixo, Orfeão de Vagos e Orfeão de Vale de Cambra que, com a banda, executaram esta obra de uma forma envolvente e vibrante. Perante os aplausos de pé de uma imensa plateia como aquela, foi executada ainda uma obra extra-programa, também com os coros, uma pequena parte da cantata Carmina Burana, de Carl Orff. No final, já longe dos olhares do público, as manifestações de agrado e as felicitações pelo concerto chegaram de maestros, compositores, musicólogos, músicos, autarcas, pessoas indiferenciadas e do director artístico da Casa da Música. 1000 PESSOAS Abriu-se, de facto, uma nova página, porque esta banda teve a capacidade de fazer cair por terra vários preconceitos que pesam sobre as bandas filarmónicas em geral. Crê-se, entre muita comunidade musical erudita, que as bandas são um parente pobre das orquestras, porque fazem música de fraca qualidade, porque só executam música de carácter popular ou “popularucho”, que só se enquadram na rua ou em ambientes ruidosos, que são constituídas por elementos amadores e indisciplinados, que a música de compositores portugueses é fraca, e que as pessoas não vão a uma sala para ver uma banda, porque uma sala não é uma festa de arraial. Daí, que salas como a Sala Suggia da Casa da Música estão normalmente vedadas a bandas. Com muita coragem, o director Pedro Burmester resolveu arriscar, e não se arrependeu. No final, a Banda Marcial tinha executado com uma qualidade irre-preensível um repertório altamente diversificado, tecnicamente difícil e de qualidade musical incontestável, quase todo de autores portugueses, tinha atraído uma casa repleta, para ouvir obras completamente desconhecidas e tinha colhido aplausos de pé de uma plateia de mais de 1000 pessoas. Foi muito o espanto de imensas pessoas do meio musical, que nunca pensaram que uma banda pudesse fazer concertos assim. Isto tudo só é possível com o esforço e dedicação dos músicos, do maestro e da Direcção da Banda, com o esforço dos apoiantes, amigos e autarcas de Fermentelos e de Águeda, que fizeram questão de estarem presentes neste momento alto da instituição. Também só é possível com uma aposta clara na qualidade e na excelência, muitas vezes em detrimento do sucesso fácil e imediato, mas efémero, que caracteriza muitos grupos e muitas músicas que enganadoramente nos chegam todos os dias e que desaparecem como apareceram, visto que o que não tem qualidade não dura. Ficou assim aberta uma nova porta para a música filarmónica, uma porta de confiança na qualidade e nas capa-cidades, uma porta para novos públicos e novos modelos de concertos. A Banda Marcial de Fermentelos é uma pioneira que abre novos caminhos e coloca na linha da frente Fermentelos e Águeda. Cabe agora a outras não defraudar estas expectativas.